Padre lutador de jiu-jítsu e com 27 tatuagens tem história contada em livro


João Claudio Loureiro do Nascimento, de 43 anos, é lutador de jiu-jítsu, tem 27 tatuagens espalhadas pelo corpo e desfila todos os anos pela Viradouro no carnaval. 



O perfil não causaria espanto, não fosse um detalhe: ele também é padre. Quando está de batina, atrás do altar, revela sua verdadeira vocação.




Padre João Claudio, como é mais conhecido, tem mestrado em Direito Canônico e fez um curso de exorcismo no Vaticano. Todo dia 29 de cada mês, o sacerdote reúne legiões de fiéis nas missas em honra a São Miguel, que ele celebra há dez anos em uma igrejinha no bairro de Fátima, em Niterói.

A crescente procura pela missa atraiu olhares para a trajetória do celebrante, que acabou virando livro. “Uma vida de luta — A incrível história do padre que resgatou a devoção a São Miguel”, do jornalista Leonardo Bruno, será lançado pela editora Máquina de Livros, no próximo dia 29.

— A ideia inicial era contar a história da missa de São Miguel, que começou há dez anos, vazia, e hoje fica tão cheia que as pessoas não conseguem entrar no templo. Mas acabou sendo uma forma de falar também sobre a minha vida, que teve muitos altos e baixos. Mais baixos do que altos — diz o padre.

Filho único de pais divorciados, João Claudio perdeu o pai aos 9 anos. Criado pela mãe católica e influenciado por parentes que professavam outros credos, ele teve contato com diversas religiões.

— Represento um grupo dentro da igreja que tem crescido dos anos 1990 para cá. São pessoas que não nasceram no catolicismo, mas se converteram depois. Meu pai era umbandista e minha madrinha, kardecista. Frequentei centros espíritas, igrejas evangélicas, johrei e até sinagoga. Acho que essas experiências me deram sensibilidade para lidar com casos atuais. Muitas pessoas que estão afastadas da Igreja Católica se reaproximam ao participar da missa de São Miguel — conta.

Encontro com a morte

A maior reviravolta na vida de João Claudio aconteceu há dois anos, quando ele recebeu a notícia de que tinha poucos meses de vida. O padre havia se submetido, em 2008, a uma gastroplastia — cirurgia de redução do estômago, que o fez perder 60 quilos —, e passou a fazer exames periódicos. Em 2016, um falso diagnóstico apontou que ele tinha um câncer terminal.

— O médico me chamou e disse que já estava espalhado, por isso não tinha como operar. Ele recomendou que eu fizesse tratamento para amenizar a dor e me deu no máximo sete meses de vida. Fiquei atônito de início, mas decidi não me entregar. Botei fogo nos exames e fiquei quieto — conta.

Determinado a dar a volta por cima, padre João Claudio retomou um antigo hobby: o jiu-jítsu.

— O jiu-jítsu está na minha família há três grações. Costumo dizer que aprendi a andar e a rolar no tatame, ao mesmo tempo. Meu pai era lutador e dois tios meus são mestres. Lutei por muitos anos e estava um pouco afastado, mas em 2016 decidi voltar a treinar e competir — lembra ele.

As lições da luta passaram do tatame para o altar. Em suas homilias, o padre começou a fazer referência à arte marcial.

— Muitas coisas na filosofia do jiu-jítsu têm a ver com a fé. Você começa a lutar no chão. A fé também começa no chão e se reergue. Nesta luta, nem sempre o mais forte ganha, às vezes o mais fraco leva a melhor. Como aconteceu com Davi e Golias. Além disso, no tatame é preciso ter paciência e estratégia, ganhar aos poucos, assim como na religião — diz.

Bênção de tatuagens

Nas missas de São Miguel, padre João Claudio costuma receber muitos pedidos para abençoar tatuagens. Na maioria dos casos, são imagens que representam o santo, considerado chefe da milícia celeste. Foi o sentimento de acolher os fiéis que inspirou o sacerdote a fazer a primeira tatuagem. E a confirmação de que ele estava no caminho certo veio em março deste ano, quando o Papa Francisco, durante um encontro com jovens padres, os aconselhou a não terem "medo de tatuagens".

— Comecei escrevendo Miguel, em hebraico, no meu braço esquerdo. Depois escrevi também em latim e árabe. Depois, tatuei objetos religiosos que não costumo trazer comigo, como a medalha de São Bento, a cruz do Santo Sepulcro e um terço — conta ele.

São 27 imagens espalhadas pelo corpo e nem todas têm referência estritamente religiosa. No lado direito do peito, há uma caveira, que o padre tatuou para se lembrar da proximidade da morte. Também tem uma marca de tiro, acompanhado do nome de guerra do pai, que era policial militar e morreu baleado. Até o Wolverine, herói da Marvel, ganhou uma homenagem na perna do sacerdote.

— É um herói que se regenera, assim como eu me regenerei — explica.

Um padre na Avenida

A avó portelense foi quem plantou o amor pelo samba em João Claudio, mas a relação do padre com o mundo do carnaval se aprofundou em 2014. Integrantes da Unidos do Viradouro, agremiação sediada em Niterói, já frequentavam as missas celebradas na Igreja Nossa Senhora da Fátima. Um dia, o sacerdote sonhou que São Miguel seria o responsável por conduzir a escola de volta ao Grupo Especial no carnaval.

— Em um sonho, São Miguel me dizia que a Viradouro só iria ganhar no dia em que ele entrasse na Avenida. Os dirigentes da escola acreditaram profundamente nisso e me convidaram para dar uma bênção no barracão. Passei a me envolver cada vez mais e, naquele ano, desfilei pela escola com uma medalha de São Miguel debaixo da camisa. Coincidência ou não, a escola ganhou — conta João Claudio.

Desde então, todos os anos o padre se manteve próximo à vermelho e branco de Niterói. E não apenas nos desfiles, mas o ano todo: ele visita o barracão, benze alegorias e adereços, celebra missas na quadra, acompanha os preparativos para o desfile e comparece aos ensaios de rua. Os sambistas, por sua vez, também frequentam as missas na paróquia de padre João Claudio.

— Minha relação com o carnaval surgiu para evangelizar. Eu percebi que há muitos católicos que participam do carnaval, e eles estão ali sem qualquer assistência religiosa. De uns anos para cá, passo mais tempo na concentração, abençoando as pessoas, conversando e até atendendo confissão, do que qualquer coisa. Passei a exercer meu ministério dentro do universo do samba — conta.

via Extra
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