A história da médica cuiabana Letícia Franco, 37 anos, – que havia anunciado que iria para a Suíça sofrer uma morte assistida e depois desistiu – ganhou novos, e ótimos, capítulos desde a última vez em que ela recebeu a equipe do LIVRE, no dia 13 de março.
Letícia passou por um novo tratamento, ganhou qualidade de vida, um “novo” amor e se casou.
Desde que a luta da médica foi contada pelo LIVRE, recebemos diariamente mensagens e e-mails de pessoas que rezam e torcem pela saúde desta pessoa que se tornou importante para tanta gente que nem ao menos a conhecia.
Letícia ganhou esperança através da terapia de ozônio, um tratamento de medicina alternativa que utiliza o ozônio com o objetivo de aumentar a quantidade de oxigênio no corpo. Uma médica de São Paulo, Maria Emília Gadelha Serra, ofereceu a ela o tratamento como uma medida complementar, que não lhe promete a cura, mas lhe dá a oportunidade de viver melhor.
A perna esquerda de Letícia, que em nossa última visita estava quebrada, cicatrizou. Ela já consegue andar e tem mais forças para realizar suas tarefas. Apesar disso, segue longe do trabalho. Sua melhora é visível, mas as mazelas ainda lhe atingem.
Depois que sua história ficou conhecida, uma pessoa do passado retornou à sua vida. Ele teve dificuldades de chegar a Letícia, mas, depois que conseguiu estar próximo, decidiu que nunca mais sairia do seu lado. O resultado disso foi um casamento no civil que, em breve, também deve ser realizado na igreja.
Guilherme Viñe, 30 anos, tem dedicado sua vida à esposa e agora a acompanha em tudo. Letícia ganhou um novo motivo para viver.
A desistência da doação do corpo
Em nosso último encontro, Letícia estava certa de que iria doar seu corpo para ser estudado, em busca de encontrar uma cura para sua doença. Porém, o médico israelense Yehuda Shoenfeld, especialista na doença dela, a Síndrome Asia, desistiu de continuar as pesquisas.
“Ele não falou com as próprias palavras, mas deu a entender que a indústria do silicone é muito grande, forte e bilionária, e a própria indústria conseguiu bloquear as pesquisar”, disse Letícia.
A médica explicou que existe um exame de DNA, que mostra o HDL, uma molécula existente em nossas células que expressa a probabilidade de se ter a doença. Através desse exame, poderia ser indicado que se a pessoa colocar uma prótese de silicone, ou se contaminar muito com alumínio durante a vida, ela pode desenvolver doenças auto-imunes.
A contaminação por alumínio pode acontecer através de vários fatores comuns do dia-a-dia: maquiagem, shampoo, tatuagens, tintura de cabelo, obturação do dente, mas só desenvolve doenças auto-imunes quem tem pré-disposição – e esse exame pode indicar essa possibilidade.
“Só que os médicos cirurgiões plásticos não falam sobre isso, porque eles querem apenas vender. Tanto que foi descoberta a doença do silicone, que pode ser pesquisada no Instagram. Eu recebi uma carta de um grupo de pessoas que tem essa doença – e muitas mulheres se matam porque não aguentam as dores”, afirmou a médica.
Esse era o plano de Letícia quando já não suportava a dor. Ela chegou a dar entrevista para Pedro Bial – a matéria deve sair em breve, e até para a Revista Veja, cujo artigo deverá ser publicado na próxima semana – sobre a morte assistida.
“Eu falei muito isso nas entrevistas, que quem quer dignidade no fim da sua vida é triste não ter essa opção no Brasil, você ficar sendo tratada em cima de uma cama, vegetando, com muita dor, ou ser abandonada em casa, como fui pelos médicos”, disse.
A oferta de um novo tratamento
Letícia estava sem esperanças, visto que sua patologia, a Síndrome Asia, não tem cura. Porém, com toda repercussão do caso, a médica Maria Emília Gadelha Serra, uma especialista na terapia de ozônio bastante humanitária, a procurou. Ela teve dificuldade em chegar a Letícia, visto que é de São Paulo, mas com ajuda de uma médica cuiabana conseguiu o contato.
“Ela me falou sobre a ozonoterapia, que poderia aliviar a dor, dar mais qualidade de vida, mais ânimo, e perguntou se eu não gostaria de tentar ir para São Paulo fazer”, contou Letícia.
Porém, os custos para fazer a ozonoterapia e a medicina molecular são bem altos, e Letícia já estava afastada do trabalho há cinco anos, sendo três sem conseguir nenhuma renda, por causa da doença. Então, todo dinheiro que tinha em poupança foi sendo gasto com médicos e tentativas de tratamento.
Além disso, os tratamentos levaram a jovem a ter osteoporose, cujo tratamento é longo, lento e caro, chegando a gastar R$ 7 mil por mês, e, como já quebrou a perna várias vezes e corre o risco de esmagamento de coluna, é um tratamento que ela não pode deixar de fazer.
Com todos esses problemas, fazer a terapia de ozônio parecia algo impossível para Letícia, que, além de tudo, estava desanimada e sozinha.
“Eu abri o jogo com ela [a médica Maria Emília], falei: ‘doutora, eu agradeço muito, mas infelizmente eu não tenho dinheiro, só uma parte do tratamento custa mais de R$ 100 mil e tem que fazer a vida inteira’. E ela falou: ‘não, Letícia, eu vi seu caso, eu li sobre você, vi seus trabalhos, você é muito parecida comigo, gosta de ajudar as pessoas, eu quero dar o tratamento para você’”, contou Letícia.
Um “novo” amor
Desde que o caso de Letícia ganhou repercussão, Guilherme Viñe, 30 anos, vinha tentando entrar em contato com ela. O casal já tinha namorado há cerca de 10 anos, quando Letícia ainda não sabia da doença, mas ela não permitiu-se viver o amor, visto que seu plano era seguir carreira na oftalmologia e tinha acabado de conseguir uma bolsa em Boston (EUA).
Guilherme foi paciente de Letícia, um caso sério de problema na retina, e ela conseguiu fazer com que ele recuperasse 100% da visão. Eles se aproximaram, namoraram e se separaram para que ela seguisse os estudos. Depois, quando ela ficou doente, não contou nada a ele.
No final de 2017, Guilherme foi se consultar com a mãe de Letícia, que também é oftalmologista, junto a uma mulher com quem ele estava se relacionando. À época, Letícia estava com traqueostomia e recebeu a notícia da mãe, o que a deixou bastante triste.
Depois que soube da doença dela, já neste ano, Guilherme passou a buscar por Letícia, mas enfrentava bastante dificuldade. Um dia, a médica teve uma piora e não conseguia respirar por causa da dor. A enfermeira que cuidava dela chamou a mãe da jovem para ajudar. Enquanto elas tentavam encontrar a veia de Letícia para aplicar a medicação, o telefone não parava de tocar.
Letícia pediu que a mãe tirasse o telefone do gancho, mas, quando ela atendeu, era Guilherme do outro lado da linha. Ele estava em frente ao prédio, junto aos amigos, viu que tinha movimentação no apartamento e tentou ligar mais uma vez.
Ele já havia terminado seu outro relacionamento e estava de mudança para Curitiba (PR) e, como tinha lido a notícia, estava tentando se despedir de Letícia, visto que achava que ela iria para a Suíça fazer a morte assistida, e ela tinha sido seu grande amor.
A futura sogra combinou de Guilherme visitar a filha no outro dia, embora ela não quisesse, visto que estava ainda bastante debilitada. Mas, mesmo com a autorização, Guilherme ainda demorou cerca de três semanas para conseguir acesso a Letícia, visto que as enfermeiras barravam sua entrada.
Um dia, as enfermeiras contaram que ele estava sempre insistindo em vê-la e Letícia resolveu ligar para Guilherme. Ela disse que estava melhor, mas que iria tomar uma injeção; ele pediu para estar presente e ela negou, dizendo que já estava de pijama. Resultado: ele foi até a casa de Letícia também de pijama, para que ela se sentisse mais confortável.
Isso aconteceu no dia 2 de abril: eles ficaram conversando até de madrugada e, no dia 4, já estavam namorando. “Ele sempre ficava ajudando a cuidar de mim, me ajudava a levantar, foi muito compreensivo e foi me dando alegria de novo. Aí eu falei: ‘já que você gosta mesmo de mim, pega suas coisas e vem para cá’, eu abri meu coração para ele”, lembrou Letícia.
A médica estava bem debilitada à época, mas ele aceitou. “A gente foi ficando mais junto, ele me alegrando, não fui sentindo mais dor. Todo dia ele me faz rir, quando estou na companhia dele, eu me esqueço que estou doente”, disse Letícia.
Guilherme incentivou Letícia a lutar ainda mais por sua vida e pediu que ela tentasse a terapia de ozônio, dizendo que a amava muito, não queria perdê-la e iria acompanhá-la em São Paulo durante todo tratamento.
Terapia de Ozônio
Eles foram para São Paulo em abril. Letícia realizou vários exames e os resultados mostraram que os remédios que ela tomava estavam trazendo diversos efeitos colaterais. Os presidentes da Sociedade Brasileira de Ozônio analisaram os resultados e falaram que o corpo dela estava bastante contaminado por alumínio e que, se ela não começasse a ozonoterapia, poderia não ter mais nem dois meses de vida.
“Quando eu vi os exames fiquei muito chateada, porque vi que eu estava morrendo mesmo”, relatou Letícia.
A médica começou a terapia de ozônio e a melhora veio rapidamente. Em pouco tempo Letícia pôde abandonar a morfina, que utilizava para aliviar as dores, assim como a maioria dos remédios orais para dor. Porém, em meio a uma frente fria que atingiu São Paulo, Letícia ficou com pneumonia e precisou voltar para Cuiabá às pressas, onde foi internada novamente.
“O Guilherme acompanhou tudo. Mesmo quando eu estava no box em que ele não podia entrar, ele ficava em pé na porta cuidando, a madrugada inteira. Ele mudou tudo, até a preocupação da minha família diminuiu. Nós dispensamos as enfermeiras, ele aprendeu até a pegar a minha veia para caso precisasse”, contou Letícia.
Depois que melhorou da pneumonia, a jovem continuou a ozonoterapia em Cuiabá, com a médica Maria Cândida, que também doou o tratamento para Letícia.
“Ninguém nunca me prometeu mais anos e mais dias de vida com o ozônio, mas me prometeram qualidade de vida – e que podiam tentar. E realmente o ozônio traz qualidade de vida, ele tira a inflamação, diminui as dores. Fiquei menos dependente dos remédios, não tomo mais nada via oral para dor, consigo fazer atividade física já, consegui emagrecer, voltar mais para o meu corpo. Hoje eu me divirto, passeio, não tem mais enfermeiras na minha casa, a vida está começando a voltar a ser como era”, relatou Letícia.
O casamento
A união no Civil aconteceu em 29 de junho, dia em que Letícia completou 37 anos. Eles ainda pretendem se casar na igreja: Letícia é muito católica, e o casal está juntando dinheiro para realizar esse sonho.
“Em dois meses resolvemos que a gente se gostava tanto, um amor que eu nunca tinha conhecido na vida. Se eu passasse na vida sem ter o Guilherme, não teria graça ter vivido. Valeu a pena cada dor, cada minuto na UTI, cada desespero, pelo amor que eu sinto por ele e que ele sente por mim”, disse Letícia.
“Eu vim [na casa de Letícia] para me despedir dela, mas quando a gente se reencontrou eu vi que o amor não tinha mudado nada durante esses 10 anos. Eu falei para a mãe dela: ‘olha, doutora Dalva, eu vou ver a sua filha todos os dias e eu vou fazer ela enxergar o sol todos os dias, independentemente de a gente estar junto, ou não’. Eu não imaginava que a gente ia ficar junto. E com a progressão dela eu vi que o amor realmente fez bem para ela e a gente resolveu ficar junto de vez”, completou Guilherme.
Prêmios
Premiada pela ONU, pela Sociedade Européia de Medicina, e sendo a médica mais jovem cujo nome está no hall da fama da Sociedade Americana de Oftalmologia (Letícia ficou em segundo lugar em um congresso americano), nesse domingo (08) Letícia ainda ganhou o Prêmio XOVA (eXcellence in Ophthalmology Vision Award), da Suíça, que dará a oportunidade para ela dar continuidade a um projeto humanitário.
O prêmio, oferecido pela líder global em oftalmologia Novartis desde 2010, financia projetos assistenciais, sustentáveis e sem fins lucrativos que têm como objetivo melhorar a atenção à saúde ocular de populações necessitadas ao redor do mundo.
O trabalho inscrito por Letícia já era realizado por ela antes de ser impossibilitada pela doença, há quatro anos e com seu próprio investimento. De forma voluntária, ela retirou cerca de 150 pessoas – uma média de 250 olhos operados – que aguardavam por um transplante de córnea na fila do SUS.
No início, o prêmio contava com mais de 400 trabalhos e Letícia recebeu a notícia de que ficou em primeiro lugar, sendo que havia apenas mais dois trabalhos do Brasil participando. Foi a primeira vez que um projeto brasileiro ganhou o prêmio XOVA.
Com o primeiro lugar, Letícia ganhou o aparelho de laser que a permitirá continuar com o projeto. “Eles me perguntaram se eles conseguissem o laser com uma empresa parceira, se meu trabalho se tornaria sustentável, porque antes eu pagava o aluguel para fazer a cirurgia e hoje não tenho mais como. Esse laser faz várias cirurgias refrativas. Eles perguntaram se com o laser eu faria isso pelo resto da minha vida e eu falei que ‘com certeza’, porque o melhor pagamento é ver um paciente enxergar, voltar à sua vida”, contou Letícia.
Como está aposentada por invalidez, o único tipo de trabalho que Letícia pode exercer é o voluntário. Agora que já está melhor – e com a ajuda do prêmio – ela voltará a realizar as cirurgias humanitárias.
Essa não foi a primeira vez que ela foi reconhecida mundialmente. Apesar de muito jovem, Letícia também foi a responsável por descobrir um sinal no fundo do olho que indica a anemia falciforme. Com essa descoberta, mais de 600 milhões de pessoas em todo o mundo já foram beneficiadas, visto que o estudo tem sido utilizado pela Cruz Vermelha e pelo projeto Médicos Sem Fronteiras.
“Eu descobri que quando você olha o fundo do olho com um aparelho de oftalmologia e encontra o sinal, é 100% garantido que tem a má-formação cerebral. Eu descobri isso entre uma UTI e outra no ano passado”, disse.
Em 2016, Letícia criou um projeto para tentar fazer mestrado. A ideia é permitir que pessoas com graves problemas de visão consigam assistir a televisões, ou usar tablets e celulares sem a necessidade de óculos, mudando a tela dos aparelhos. Ela fez toda a pesquisa médica sozinha e resolveu apresentar o projeto na Universidade Federal de Mato Grosso, buscando um orientador da área de física, ou matemática, que ajudasse a desenvolver a mudança dos pixels conforme a refração necessária para o usuário.
Ela apresentou o projeto quando abriu o edital de mestrado e foi chamada à UFMT uma semana depois. O reitor pesquisou seu histórico e lhe fez uma oferta.
“Ele falou assim: ‘por ser um trabalho tão bem feito, você não se encaixa no perfil de fazer mestrado de saúde, porque nosso mestrado é de saúde pública e você está fazendo uma pesquisa que pode mudar muita coisa do futuro; então você vai passar direto do mestrado e vai ganhar uma bolsa de pesquisa em doutorado’”, contou Letícia.
Ela teria dois tutores, um físico e um matemático – e na parte de medicina ficou decidido que ela não precisaria de orientação, já que o projeto já estava pronto. Ela deveria entrar em janeiro de 2017, mas, como estava com a traqueostomia, não pôde. Depois ela ficou em coma, mas a vaga ainda estaria garantida por um ano.
Em janeiro de 2019, se ela continuar bem como está, irá assumir a vaga e iniciar seu doutorado. Além disso, Letícia também está começando a escrever um livro sobre sua história e pretende dar palestras motivacionais.
A importância do amor
Através do ânimo e da vitalidade que a ozonoterapia trouxe, do apoio e amor de Guilherme e de sua fé em Deus, os caminhos de Letícia foram sendo refeitos. Hoje ela planeja o futuro e quer ter filhos.
“Eu estava com a menopausa precoce há nove anos, por causa da doença. Com a medicina ortomolecular, junto com a ozonoterapia, a doutora Emília Serra achou que em dois anos meu corpo voltaria a ser fértil – e isso ocorreu em dois meses”, contou.
Pelos estudos sobre sua doença, Letícia estaria em seu último ano de vida – já que a expectativa de vida é de oito a nove anos a partir do diagnóstico. Mas ela tem fé de que vai superar as expectativas: Letícia nunca se sentiu tão viva.
“Eu vivia, mas sem sonhar, eu parecia estar morta em vida, porque a vida estava passando na minha frente e eu não podia fazer planos, porque no outro dia eu poderia estar morrendo em uma UTI. O Guilherme me deu tanta força, ele foi me mostrando o tanto que o amor era importante em nossa vida, me fez sonhar de novo. Ele foi minhas pernas quando eu não podia andar, me carregou, me mostrou que Deus ia me ajudar e que Ele nunca me abandonou. O amor dele foi o que salvou tudo em mim, transformou a minha vida”, disse Letícia.
“Ela perdeu as lentes em São Paulo e não podia enxergar. Ela cuidou dos meus olhos há 10 anos atrás e 10 anos depois eu fui os olhos dela. Hoje, para mim, ela é tudo que eu tenho de mais precioso, é o que me faz sorrir, que me faz viver, que me faz enxergar tudo diferente, ela me fez outra pessoa”, contou Guilherme.
Como centenas de pessoas entraram em contato com o LIVRE pedindo para falar com Letícia e ela quer poder ajudar a quem, assim como ela, sofre com alguma síndrome, ou agradecer a cada oração recebida, ela criou um email para se comunicar com todos: leticia.vine29@gmail.com.
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