I. A glória de Seu Pai
Estudando o nosso divino Salvador, tal como nos é representado nos Santos Evangelhos, veremos que não há nada, se nos é permitido arriscar esta expressão, nada mais semelhante a uma paixão n’Ele dominante que o Seu tão vivo, tão ardente desejo da glória de Seu Pai.
Desde o dia em que, na idade de doze anos, deixou Maria para ficar em Jerusalém, até à Sua última palavra na Cruz, essa dedicação à glória de Deus sobressai em cada página do livro sagrado. Assim como d’Ele se disse, numa ocasião, que o zelo da casa de Deus O devorava, assim nós podemos dizer que era devorado por uma fome e sede contínuas da glória de Seu Pai.
Era como se se houvesse perdido na terra a glória de Deus, e Ele houvesse vindo para a encontrar; e quão oprimido trouxe o coração enquanto a não encontrou! Foi este o exemplo que nos deu; e a Sua intenção, dando-nos a graça, é que a empreguemos em glorificar Seu Pai que está nos céus.
Agora, lançando a vista pelo mundo e em volta de nós, poderemos deixar de ver quanto a glória de Deus está perdida na terra? O interesse de Jesus pede que a procuremos e que a encontremos. Sem falar desses escândalos públicos que dão os grandes pecadores, não será doloroso ver como Deus é esquecido, completamente esquecido pela maior parte dos homens?
Vivem como se Deus não existisse. Não se revoltam precisamente contra Ele, mas não pensam n’Ele, desconhecem-no, Deus é neste mundo, que Ele fez por Suas próprias mãos, como um objeto importuno. Foi posto de parte tão despreocupadamente como se faria a uma estátua antiga que houvesse tornado caricata.
Os sábios e os homens de Estado estão de acordo neste ponto; agente de negócios e os financeiros entenderam que era acertadíssimo nada dizerem a respeito de Deus, pois é difícil falar d’Ele ou mesmo ocupar n’Ele apenas o espirito, sem nos sentirmos dispostos o conceder-Lhe demasiado.
Ali está um obstáculo terrível, e poderíamos dizer um obstáculo insuperável, se não fosse a graça de Deus, para os interesses de Jesus. Oh! Quanto nos dilacera o coração semelhante espetáculo, e nos faz suspirar por uma outra vida! Pois, que fazer em tão desesperada situação? Mas alguma coisa devemos tentar.
Quanto não poderão fazer os rosários devotamente rezados e as medalhas bentas? E não é infinito o poder duma só missa? Depois, confessamo-lo com as lágrimas nos olhos, há um grande número de pessoas com reputação de piedosas, que estão longe de dispensarem à glória de Deus um quinhão suficientemente avultado: há muitas pessoas que manifestam devoção, e que aliás não lhe querem dar o primeiro lugar em todas as coisas.
Têm necessidade de luz para melhor conhecerem a glória de Deus; falta-lhes discernimento para descobrirem armadilhas do mundo e do demônio sob o véu da moderação e da prudência, por meio do qual estes dois inimigos de Deus se esforçam pelo privar da Sua glória; não têm coragem para afrontar a opinião do mundo, e firmeza para pôr sempre a sua vida em harmonia com a sua crença. Pobre gente! E, sem o suspeitar, a própria peste da Igreja. Convém sem dúvida aos interesses de Jesus, que essas pessoas se vejam a si mesmas e a tudo que as rodeia, tais quais são.
Aqui encontramos, pois, mais uma obra a executar. Oremos por todas as pessoas virtuosas, principalmente por aquelas que trabalham para o ser, afim de que conheçam o que reverte em glória de Deus, e o que Lhe é oposto. Oh! Quantas perdas nos causa todos os dias esta falta de discernimento!
Depois, existem ordens religiosas que, cada uma de sua maneira e conforme o fim da sua instituição, vão trabalhando com a benção da Igreja, na glória de Deus. Há bispos e padres que com uma singular perseverança e perfeição admirável dedicam os seus esforços a este único fim. Qual é também o alvo duma infinidade de associações e confrarias que existem, senão a glória de Deus?
Temos de sofrer males, afrontar perigos e suportar escândalos; a sorte da Igreja é curvar hoje a cabeça ante o mundo e nele reinar amanhã. Ora, em tudo isto tem Jesus os Seus interesses, e é dever nosso tratar deles. Meia dúzia de homens que percorressem o mundo procurando somente a glória de Deus, poderiam transportar montanhas. E esta a promessa feita aos homens animados de fé viva. Por que não havemos de ser nós desses homens?
II. O fruto da Sua Paixão
Eis o segundo dos grandes interesses de Jesus. Sempre que possamos impedir que se cometa um pecado, por leve que seja, muito faremos pelos interesses de Jesus. Melhor poderemos apreciar a grandeza dum tal serviço, se fizermos esta reflexão: ainda que pudéssemos fechar para sempre o inferno, salvar todas as almas que lá estão sofrendo, despovoar o purgatório, e converter todos os homens do mundo em outros tantos santos como os bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo, dizendo as mais leve mentira que fosse, não a deveríamos dizer; pois a glória de Deus sofreria mais com essa pequena mentira do que lucraria com tudo o mais.
Avaliai por isto quanto se faz pelos interesses de Jesus impedindo um pecado mortal! E todavia é isto tão fácil! Se todas as noites, antes de nos deitarmos, pedíssemos à Virgem Santa que oferecesse a Deus o precioso sangue de Seu querido Filho, afim de impedir um pecado mortal que ameaçasse cometer-se em qualquer parte do mundo durante a noite; e se renovássemos o mesmo pedido todas as manhãs, para o mesmo fim durante as horas do dia, não há dúvida que semelhante oferta, apresentada por tais mãos, não poderia deixar de obter a graça desejada; e assim cada um de nós poderia provavelmente impedir setecentos e trinta pecados mortais em cada ano.
Suponhamos agora que mil dentre nós querem fazer esta oferta e nela perseveram durante vinte anos; isto, que nenhum trabalho nos daria, seria bem meritório: teríamos impedido mais de quatorze milhões de pecados mortais. E se todos os membros da Confraria seguissem este exemplo, teríamos que multiplicar este número por dez. Ah! Deste modo, como os interesses de Jesus progrediriam no mundo, e que alegria, que felicidade nos não proporcionaríamos a nós mesmos!
Assim também, todas as vezes que possamos resolver alguém, que o necessite, a confessar-se, ainda que não tenha a acusar senão pecados veniais, aumentamos o fruto da Paixão do nosso Redentor. Cada ato de contrição que qualquer pessoa faça, a instancias nossas; cada oração que nós façamos com o fim de lhe alcançar esta graça, acrescenta os mesmos frutos. Cada nova austeridade, cada ligeira penitência que promovamos, dá o mesmo resultado. O mesmo aconteceria com os nossos esforços para fazermos apreciar a comunhão frequente.
Quando pudermos conseguir que alguém tome parte nas nossas devoções à Paixão de Nosso Senhor, que a leia ou a medite, daremos impulso aos interesses de Jesus. Disse algum santo (e, se me não falha a memória, foi Alberto o Grande) que uma só lágrima vertida pelos sofrimentos do nosso doce Salvador era mais preciosa a Seus olhos, que um ano inteiro de jejum a pão e água. O que não seria, pois, se nós pudéssemos interessar os outros em juntarem as suas lágrimas às nossas, e unirem-se conosco no sentimento duma terna piedade pela Paixão de Jesus!
Oh! Quão grandes são os frutos duma simples oração! Suavíssimo Jesus! Porque somos nós tão insensíveis, tão frios? Acendei em nós esse fogo que viestes trazer à terra!
III. A honra de Sua Mãe
Aqui está outro dos principais interesses de Jesus, e toda a história da Igreja nos mostra quanto é apreciado pelo Seu Sagrado Coração. Foi o Seu amor por Maria que, mais que tudo, o fez descer dos céus, e foram os merecimentos de Maria que determinaram a época da santíssima e indivisível Trindade; era Ela a filha predileta do Pai, a Mãe predestinada do Filho, e a Esposa eleita do Espírito Santo.
A verdadeira doutrina de Jesus tem estado, em todos os tempos, intimamente ligada com a devoção a Maria; e os golpes que ferem a Mãe devem passar pelo Filho. Assim, Maria é a herança do católico humilde e obediente. A santidade cresce na razão da devoção que por Ela se tem. Os santos formaram-se na escola de Seu amor. O pecado não tem maior inimigo que Maria; basta pensar n’Ela para o conjurar, e os demônios tremem ao ouvir o Seu nome.
Ninguém pode amar o Filho sem que aumente também em si o amor da Mãe; ninguém pode amar Maria sem que ao mesmo tempo sinta inflamar-se-lhe o coração pelo Filho. Jesus a colocou à frente da Sua Igreja para ser a garantia das graças que por meio d’Ela repartiria, e a pedra de escândalo para os Seus inimigos. Que admira pois, que os interesses do Filho e a honra da Mãe sejam uma só e a mesma coisa?
Se em reparação das blasfêmias com que os heréticos mancham a Sua dignidade fizerdes vós um ato de amor ou de ação de graças, em honra da Sua Imaculada Conceição e da Sua perpétua Virgindade, de cada vez que o fizerdes, favorecereis os interesses de Jesus. Tudo quanto possais fazer para propagar o Seu culto, e principalmente para inspirar aos católicos uma terna devoção para com Ela, será uma obra meritória aos olhos de Jesus, que não deixará de vos recompensar generosamente.
Atrair os fiéis à sagrada mesa nos dias de festas de Maria, alistarem-se nas Suas Confrarias, conservarem alguma imagem d’Ela, ganharem indulgências pelas almas do purgatório que na terra tiveram uma especial devoção por ela, rezar o rosário todos os dias; são coisas que todos podem fazer e todas elas concorrem para os interesses de Jesus.
Há uma devoção que eu quero sugerir, e oxalá possa inspirá-la a todos! Então faríamos prosperar os interesses de Jesus, e dela colheria Nosso Senhor em todo o universo uma duplicação de amor! É depositarmos mais confiança nas preces da nossa divina Mãe; descansarmos nela com menos hesitação; endereçar-lhe os nossos pedidos com mais afoiteza; em uma palavra, termos mais fé nela.
Haveria mais amor por Maria se houvesse mais fé em Maria; mas vivemos num país herético e é difícil permanecer no meio da neve sem arrefecer. Ó Jesus, reanimai a nossa confiança em Maria, não só para que trabalhemos nos Vossos amáveis interesses, mais para que o façamos do modo que vós desejais, não permitindo que nenhuma criatura ocupe no nosso coração mais lugar que Aquela que tinha no Vosso maior quinhão, maior que o de todas as outras criaturas juntas!
IV. A estimação da Sua graça
Mais um dos quatro interesses de Jesus. O mundo teria uma feição inteiramente diferente, se os homens estimassem a graça no seu justo valor. Existe em todo o universo algum objeto que tenha valor intrínseco, a não ser a graça? E não obstante, com que fraqueza vamos atrás das futilidades, que nada têm de comum com os interesses de Jesus! Que cegueira! Que tempo perdido! Quanto mal fazemos! Quanto bem deixamos de fazer!
IV. A estimação da Sua graça
Mais um dos quatro interesses de Jesus. O mundo teria uma feição inteiramente diferente, se os homens estimassem a graça no seu justo valor. Existe em todo o universo algum objeto que tenha valor intrínseco, a não ser a graça? E não obstante, com que fraqueza vamos atrás das futilidades, que nada têm de comum com os interesses de Jesus! Que cegueira! Que tempo perdido! Quanto mal fazemos! Quanto bem deixamos de fazer!
E todavia, apesar disto, com que carinho, com que paciência nos trata Jesus! Se todos soubessem apreciar dignamente a graça, todos os outros interesses de Jesus medrariam. Quando estes sofrem, é precisamente por que não se dá a graça a estimação que ela merece. As graças veem incessantemente, e os merecimentos a adquirir multiplicam-se tão rapidamente como as pulsações do Sagrado Coração de Jesus.
Enquanto este coração se abrasa por nós no amor mais ardente, nós dizemos: “Não tenho obrigação de fazer isto; não preciso de me privar deste prazer; deve-se moderar o entusiasmo religioso.” Ó Jesus Cristo! Ó Caríssimo Jesus Cristo! Vede ao que chegam os que não sabem dignamente apreciar a graça. Mais valeria morrer, que desprezar uma só inspiração da graça. Acreditamo-lo todos? Não, mais julgamos crê-lo.
Se os fundos públicos baixassem a metade do seu valor, este fato seria menos importante que se um pobre irlandês, doente em qualquer lugarejo obscuro, deixasse de adquirir, por falta de paciência, o menor grau de graça. Eis o que dizem a este respeito os teólogos: “Se se recebessem todos os dons da natureza e todas as perfeições naturais dos anjos, estas vantagens nada seriam, comparadas com a adição de um grau de graça, como Deus no-lo dá quando resistimos durante um quarto de hora a um sentimento de ira; pois a graça é uma participação da natureza divina.”
Oh! E não poremos nós isto em prática, nós que tentamos persuadi-lo aos outros! Mostrai-me na Igreja um abuso, um mal qualquer, e estou pronto a demonstrar-Vos o que se não teria dado, se os Seus filhos houvessem correspondido dignamente à graça, e ainda mais, que tudo amanhã reentrará na ordem, se os fiéis quiserem começar a apreciar a graça no seu justo valor.
Não é verdade que de nada serviria a um homem ganhar o mundo inteiro, se por esse motivo devesse sofrer o menor dano na sua alma imortal? Ide propagar esta doutrina entre os vossos amigos; mostrai-lhes os tesouros que podem juntar com o auxílio da graça, mostrai-lhes como uma graça chama outra, como ela se converte num merecimento, finalmente como os merecimentos conduzem a glória eterna dos céus. Ah! Servirei realmente os interesses de Nosso Senhor, se assim obrardes, e servi-lO-eis muito melhor do que pensais.
Pedi somente que os homens concebam uma idéia mais elevada e mais verdadeira da graça, e tornar-vos-eis ignotos apóstolos de Jesus. Todas as graças estão n’Ele: é a fonte e a plenitude delas; consome-O o desejo de as espalhar abundantemente sobre as almas que Lhe são caras, e pelas quais morreu; e elas não lhe querem permitir, pois devem, para obter outras, corresponder às graças já obtidas. Ide ajudar Jesus. Por que há de perecer uma só dessas almas, pelas quais Ele deu a Sua vida? Digo uma só, pois é coisa horrorosa pensar na perda de uma alma. E por que se perderá ela? Porquê?
O precioso sangue está à disposição daqueles que o querem pedir, e o sangue dá a graça. São Paulo consagrou toda a sua vida a pregar aos homens a doutrina da graça, a pedir a Deus que lh’a enviasse, e que eficazmente os impulsionasse a fazerem bom uso dela quando a houvessem obtido. Após uma fervorosa comunhão, quando a fonte de todas as graças brota em nosso coração, como um manancial de água viva, peçamos-Lhe que abra os olhos dos homens à beleza da Sua graça; e a nossa oração sem dúvida obterá bom despacho.
Assim faremos prosperar os interesses de Jesus, pois a natureza deste bom senhor é tal, quanto mais dá, mais rico se torna. Ó muito amado Rei da almas, como podemos nós gastar o nosso tempo com outro? Considerar que Ele nos permite ocuparmo-nos dos Seus interesses, não é um pensamento capaz de nos encher de admiração? Quanto a mim, espanto-me de que semelhante pensamento não nos faça cair em êxtase.
Mas nós não conhecemos os nossos privilégios; e por quê? Por que não estudamos suficientemente o nosso amável Salvador. E por que não começaremos no tempo o que deve fazer a nossa felicidade em toda a eternidade? Estudemos Jesus. O céu não é céu senão por que Jesus lá está; e eu não compreendo porque a terra não é igualmente céu, pois Jesus também está na terra.
Ai! É porque nos deixou a miserável liberdade de O ofendermos. Eliminemos esta miséria e teremos neste mundo, se não o céu, pelo menos o purgatório, que é a porta do céu. Chegará finalmente o dia em que cessemos de pecar, em que não mais firamos o Sagrado Coração de Jesus? Ó Deus de amor, fazei nascer bem depressa o sol que não terá ocaso antes de ver realizar-se para nós esse glorioso privilégio!
Para quê nos afligir e perguntarmos temerosos se iremos para o céu logo que partamos deste mundo, ou se primeiro teremos de passar pelo purgatório? Que importa? A grande questão é perdermos a faculdade de ofender o Deus do nosso amor!
Pe. Frederick William Faber, “Tudo por Jesus”, Londres, 1853
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