Sou muito devoto da Mãe de Jesus, Nossa Senhora, invocada com carinho sob muitos títulos. Desde criança, aprendi a rezar o terço, a cantar à “Mãezinha do Céu” e a me consagrar a ela todos os dias. Com o povo católico, alegro-me pela comemoração dos 300 anos do achado da imagem sagrada da Mãe Aparecida e escrevi, recentemente, uma carta pastoral à Arquidiocese de São Paulo, com o título “Viva a Mãe de Deus e nossa”, sobre o lugar de Maria no coração de Deus, de Jesus Cristo e da Igreja, não podendo estar ausente do coração dos cristãos. E fico triste cada vez que se desrespeita a Mãe de Jesus; é como se fosse destratada minha própria mãe.
Desejo, pois, desfazer dúvidas e temores a respeito da “homenagem a Nossa Senhora Aparecida” que a escola de samba “Unidos de Vila Maria” vai fazer no carnaval de 2017, em São Paulo. No dia 25 de março de 2015, fui procurado pelos representantes da citada escola de samba. Em vista do 3º centenário do encontro da imagem sagrada nas águas do rio Paraíba do Sul, achavam que seria a ocasião propícia para apresentar o tema de Aparecida num enredo do carnaval de 2017, como um tributo a Nossa Senhora Aparecida. Indaguei sobre o formato da proposta que apresentavam e, desde logo, procurei verificar se era algo sério, que não desrespeitasse minimamente a Mãe de Jesus, ou debochasse da fé do povo católico. Obtive todas a explicações que desejava e lhes informei que era necessário refletir e que a “autorização” pedida não dependia apenas do arcebispo de São Paulo. Eles, desde logo, se dispuseram a aceitar todas as orientações de nossa parte. Mais ainda: pediram uma supervisão, da parte da Igreja, para os preparativos da homenagem.
A questão foi levada ao conhecimento do Conselho Pro-Santuário Nacional de Aparecida, encarregado de acompanhar, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a vida pastoral e administrativa do Santuário. Participam do Conselho, além do Arcebispo de Aparecida e do Presidente da CNBB, vários outros arcebispos do Brasil e também o Reitor da Basílica. O pedido da “Vila Maria” foi exposto na reunião de 27 de março de 2015. Levantaram-se várias questões e foram pedidos esclarecimentos, em vista de uma resposta à Escola Unidos de Vila Maria.
O Conselho, por unanimidade, deu parecer favorável à iniciativa, mas recomendou que fossem observados alguns critérios: 1. Respeito à imagem de Nossa Senhora Aparecida, à fé e à religiosidade do povo católico; 2. Fidelidade aos fatos históricos; 3. Apresentação da genuína piedade mariana católica, sem sincretismos; 4. Decoro no desfile da escola, sem exposição de nudez; 5. Supervisão dos preparativos pelo Santuário de Aparecida e pela Arquidiocese de São Paulo.
A agremiação aceitou sem reservas todos esses critérios. Os Diretores da “Unidos de Vila Maria” asseguraram que também eles são devotos de Nossa Senhora Aparecida e, longe de desrespeitarem a Mãe de Deus, eles lhe queriam tributar uma singela homenagem, em nome de todos os brasileiros. O Reitor do Santuário Nacional e representantes da Arquidiocese de São Paulo acompanharam a elaboração da proposta do desfile. Antes da confecção das alegorias, os projetos e a letra do samba-enredo foram mostrados e receberam sugestões. Por isso, até o presente, não há motivos para pensar que a imagem de Maria seja profanada, nem que seja desrespeitada a fé dos católicos. Na sede da “Unidos de Vila Maria” há um nicho com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, sempre com flores, e as pessoas rezam diante dela.
A apresentação consistirá numa série de alegorias, música e danças, narrando o encontro da imagem, o contexto histórico e social da época, as primeiras devoções e milagres, a relação da Princesa Isabel com Aparecida, oferecendo o manto e a coroa, a construção das duas basílicas, as romarias e o significado cultural da devoção a Nossa Senhora Aparecida. Trata-se de algo mais amplo do que uma homenagem religiosa.
Para alguns, a iniciativa pode parecer chocante, pois o carnaval e o sambódromo não seriam os locais mais adequados para homenagear Nossa Senhora. Até pode ser, pois tudo depende da intenção e da forma como as coisas são feitas. No caso em questão, a intenção é boa e a forma também. O lugar seria impróprio para honrar a puríssima Virgem Maria? Mas será que Maria não gostaria de chegar lá, onde mais se faz necessária a sua presença?
Pensemos bem: não rezamos a Santa Missa em praças, estádios e ginásios de esporte, onde tantas coisas pouco decorosas acontecem e são ditas? Não levamos nós o Santíssimo Sacramento para as praças e avenidas, onde acontecem injustiças e violência e prostituição? Para as cracolândias e outros locais, onde se profana a dignidade humana e o santo nome de Deus? Não foi para os pecadores que Jesus veio ao mundo? E sua Mãe Santíssima não iria com Ele a esses locais? E Jesus não entrou na casa de publicanos e pecadores, escandalizando fariseus e mestres da Lei? E não permitiu que uma mulher, conhecida de todos como pecadora, banhasse seus pés com as lágrimas, os beijasse e ungisse com perfume? E os católicos não poderiam honrar o nome de Deus, professar sua fé e prestar homenagem a Nossa Senhora também no sambódromo?
Arcebispo de São Paulo
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