Ele veio de baixo, filho de pais sem ligações com o poder. Teve uma infância pobre e sofrida, marcada por privações materiais e pela sombra da morte pairando sobre seus familiares mais próximos. Nada muito diferente de boa parte dos seus compatriotas.
Como num conto de fadas transformado em realidade, ele conseguiu chegar, na alvorada do terceiro milênio, ao mais alto posto de poder do seu país, trajando a imagem do líder renovador, representante dos anseios de progresso da sua gente. Seu primeiro mandato, apesar de alguns escândalos e de várias polêmicas diplomáticas, é constantemente lembrado pelos seus admiradores, até hoje, como um governo de progresso econômico e de resgate do orgulho nacional.
Sua primeira gestão, de fato, apresentou queda no desemprego e na pobreza, aumento da renda e crescimento da economia, conquistas atribuídas pelos analistas à manutenção de uma política macroeconômica liberal (surpreendente para o seu histórico ideológico de esquerda) e a boas perspectivas internacionais no tocante aos preços do petróleo. Foram vários os setores que colheram frutos polpudos sob seu governo. A indústria automotiva, por exemplo, também acelerou, com ele, por estradas praticamente livres de sinais fechados. Grandes construções foram anunciadas em sua gestão.
Em paralelo à sua grande popularidade, porém, vários de seus atos foram caracterizadas pela oposição como antidemocráticos. Guiado pelo seu partido, analistas apontam que o país enveredou por um processo de regressão – os bombásticos vazamentos do WikiLeaks, por exemplo, chegaram a qualificar o país de “Estado mafioso virtual” devido à corrupção sistemática, inclusive (e principalmente) nos mais altos escalões.
Grandes magnatas se tornaram íntimos frequentadores das entranhas do governo, cujo núcleo duro se manteve bastante coeso ao longo dos anos. Proximidade dos magnatas à parte, o patrimônio do próprio presidente aponta indícios de um crescimento magnamente incompatível com a renda recebida pelo cargo – ele nega, no entanto, a posse de tal patrimônio.
Nessa estrada que se alterna entre sol e sombras, a presença dele no centro do poder é uma constante desde que assumiu o primeiro mandato – permanecendo constante mesmo quando ele deixou de ser presidente, num intervalo em que, no entanto, não deixou de ter o poder: o governo que o sucedeu lhe confiou, afinal, o mais importante de todos os seus ministérios.
Estamos falando de Vladimir Putin, o ex-presidente que virou ministro para voltar a virar presidente. Putin se tornou presidente interino da Rússia em 31 de dezembro de 1999, quando Bóris Yeltsin renunciou de forma completamente inesperada. Putin venceria a eleição do ano seguinte, tornando-se presidente da Rússia de 2000 a 2004. Foi reeleito e continuou presidindo a Rússia durante mais quatro anos, até 2008, quando, apesar da tentação de mexer na constituição para se reeleger mais uma vez, se viu impedido de concorrer ao terceiro mandato. Não que tenha sido um grande problema: Putin fez de Dmitri Medvedev o seu sucessor na presidência – e o presidente Medvedev fez de Putin o primeiro-ministro do país, cargo que o ex-presidente manteve durante toda a presidência do aliado e sucessor. Em setembro de 2011, o ex-presidente que se mantinha no poder como ministro anunciou que concorreria ao terceiro mandato (ou quarto, enfim) nas eleições do ano seguinte. Apesar dos protestos nas principais cidades do país, Putin foi reeleito em 2012, desta vez para um mandato de seis anos, que se encerrará, pelo menos teoricamente, em 2018. Terão sido 19 anos ininterruptos no poder.
O ex-menino pobre e sofrido, vindo de baixo, filho de pais sem ligações com o poder, que teve uma infância marcada por privações materiais e pela sombra da morte pairando sobre seus familiares mais próximos, hoje é um homem no centro de uma poderosa rede de influências e relações – e não gosta nada de se afastar do poder.
Sua Rússia, enquanto isso, enfrenta mais uma vez o fantasma da queda na renda, do desemprego em aumento, da inflação em crescimento, da desvalorização da moeda, das práticas políticas obscuras, da corrupção que não esmorece e do risco de que a sigla BRICS, da qual faz parte e que já foi sinônimo de ascensão, seja esquecida como só mais um lampejo de vã esperança na repetitiva retórica populista de mais um desses eternos “países do futuro”, sempre tão dados a messianizar partidos e líderes populistas.
País cristão apenas de nome, a Rússia esquece, afinal, que o verdadeiro Messias é um Salvador espiritual cujo Reino não é deste mundo – e que, neste mundo, a “salvação” passa necessariamente por livrar-se de todos os “messias” de aparência; aqueles que, ao contrário do Verdadeiro Salvador, se aferram a um poder temporal corrompido e corruptor, que deveria pertencer não a eles, mas ao povo a quem dizem “salvar”.
Cabe ao cristão o dever de consciência de discernir.
Fonte: Francisco Vêneto
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