E o Oscar vai para… a Igreja!


Spotlight: Segredos Revelados” é o longa-metragem de Tom McCarthy premiado com o Oscar de melhor filme de 2015. A produção relata a investigação jornalística realizada em Boston em 2001 e que denunciou por abuso sexual de crianças e adolescentes nada menos que 249 dos cerca de 1.500 padres católicos da cidade.



Matérias curtas em jornais locais já tocavam no pavoroso assunto desde a década de 1960. Mas nada que fosse realmente a fundo no pântano da pedofilia e da manipulação sacrílega. As coisas começam a mudar quando o judeu Marty Baron (Liev Schreiber) se torna o novo diretor de redação do jornal The Boston Globe. Ele destaca para o caso dos escândalos de abuso sexual a equipe de jornalistas investigativos conhecida como Spotlight (“holofote”, em inglês), formada por Robby (Michael Keaton), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), Matt Carroll (Brian d’Arcy James) e Michael Rezendes (Mark Ruffalo). A Spotligh já tinha sido responsável, por exemplo, pela revelação das nebulosas ligações do mafioso James “Whitey” Bulger com o FBI, nos anos 1990 – outra história transportada para o cinema em “Aliança do Crime“, com Johnny Depp.

Os repórteres agora dedicados a investigar os casos de abuso sexual clerical descobrem as primeiras vítimas, a maioria psicologicamente frágil e com famílias desestruturadas. Várias vítimas já tinham se suicidado. As ainda vivas recebiam de um grupo de apoio o título – bastante eloquente – de “sobreviventes”. Seus depoimentos dolorosos revelaram abusos que iam muito além do físico, chegando também ao âmbito da covarde manipulação moral e espiritual. Não raro, vítimas de abusos sexuais de religiosos, no caso de Boston ou em qualquer outro, chegam a considerar que elas próprias são mais “sujas” perante Deus do que os seus abusadores – e por isso sepultam em seu interior atormentado o segredo que não se atrevem a revelar ao mundo.

A equipe Spotlight percebe também que, no geral, os padres abusadores ou suspeitos de abuso eram sistematicamente afastados de suas paróquias sob justificativas diversas – mas nunca entregues à justiça. Os jornalistas descobrem que o advogado Jim Sullivan (Jamey Sheridan) acobertava os criminosos, cobrando 20 mil dólares da Igreja, por cada processo, para não divulgar o escândalo na mídia. O diretor de redação insiste em fazer a sua equipe chegar até o cerne do esquema de acobertamentos, que, além da conivência da diocese, contava também com a leniência do poder judiciário, da polícia e até do próprio ex-diretor de redação do The Boston Globe, que fizera vista grossa a várias denúncias e documentos que tinham chegado ao seu poder anos antes.

Mais do que o escândalo da pedofilia clerical em si mesmo, o tema central do filme é o papel crucial do jornalismo investigativo, tão sufocado em nossos tempos por um pseudojornalismo focado em angariar o máximo possível de “curtidas” e “compartilhamentos” nas redes sociais – o que lhe exige prostituir-se para agradar a um público raso e obcecado por fofocas, futilidades e pífias batalhas ideológicas carentes de argumentação racional.

Isto não quer dizer que o premiado filme “Spotlight” seja ele próprio um cabal modelo de isenção jornalística e de imparcialidade absoluta. Há sutis detalhes no filme que parecem insinuar certa concessão à inexata e estendida ideia de que a Igreja toda é uma instituição corrompida: em várias cenas do filme pode-se ver uma igreja ao fundo, como a indicar a “onipresença” dessa “poderosa organização” e a possibilidade de que em cada um desses templos esteja acontecendo às escondidas mais alguma coisa terrível; também perturbadoras são as cenas em que os jornalistas preparam a matéria-denúncia enquanto se ouve como trilha sonora um sugestivo coral infantil de Natal…

O próprio Oscar é, com frequência, um holofote de marketing a serviço de interesses ideológicos laicistas, e, neste caso, não deixa de chamar certa atenção que um filme que não era apontado como o favorito tenha deixado para trás o provável vencedor “O Regresso“.

Como quer que seja, a vitória de “Spotlight” se justifica amplamente e não precisa ser vista como um enésimo “ataque à Igreja” – alguns setores do catolicismo procuraram levantar esta acusação, que é bastante parcial.

Em primeiro lugar, porque o escândalo que o filme aborda é uma devastadora verdade, desmascarada, comprovada e inegável, que não pode mesmo ser acobertada sob “justificativa” alguma. Padres pedófilos constituem um horror tamanho que o seu crime abominável deve ser desmascarado com a mais irrestrita de todas as ênfases, em todos os tempos. E isto passa muito longe de ser um “ataque à Igreja” – pelo menos não é um ataque externo: em todo caso, é muito mais um ataque vindo de suas próprias entranhas do que de inimigos “de fora” dela.

Em segundo lugar, setores da Igreja erraram sim, e criminosamente, ao acobertarem o inacobertável, tornando-se cúmplices de um sacrilégio que clama aos céus. O próprio Vaticano admitiu o erro gravíssimo de um número muito relevante de organismos eclesiais e e, graças também ao empurrão das denúncias tornadas públicas, adotou uma série de medidas de imensa importância para evitar que tais abominações continuassem a ser facilitadas ou mantidas impunes. Aliás, a Igreja católica nos Estados Unidos se tornou, depois dessa duríssima provação moral, uma das instituições com os protocolos de precaução mais avançados e rígidos do planeta em termos de regras voltadas a garantir a segurança de crianças e adolescentes em suas paróquias, escolas, abrigos, orfanatos, grupos juvenis – seu atual nível de atenção e transparência não é seguido nem de longe por instituições públicas, associações laicas, clubes esportivos, colégios particulares de renome e mesmo o exército.


Em terceiro lugar, o Oscar para “Spotlight” é um prêmio para todos aqueles que combatem o abuso cometido sob os disfarces da fé e da religião – seja o abuso sexual, moral, econômico, político. Ainda que houvesse intenções “tortas” por trás da premiação a um filme que expõe pecados hediondos de uma quantidade espantosa de membros do clero, essa mesma premiação serve como favor à própria Igreja, cujos setores limpos e sérios agradecem pelas ajudas fornecidas para a purificação de todas as suas estruturas humanas.

Quanto às ainda vastas porções da opinião pública que generalizam ao falarem (mal) da Igreja, reduzindo-a irresponsavelmente a uma máfia bimilenar e ignorando tudo o que ela oferece de bom e de belo ao mundo, a solução não cabe ao cinema. Cabe à própria Igreja, através de nós, católicos, que temos a missão de testemunhar a Verdade não apenas com palavras, mas, obrigatoriamente, com obras. Em vez de nos queixarmos daqueles que nos acusam, devemos parar de lhes dar motivos para nos acusar – e, muito mais do que isso: devemos lhes dar cada vez mais e mais motivos para nos respeitarem e reconhecerem, porque respeito não se pede. 

Fonte: Aleteia

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